Santuário do Bom Jesus de Braga declarado Património Mundial

O Santuário do Bom Jesus do Monte, em Braga, foi hoje declarado Património Mundial pela UNESCO. O Bom Jesus de Braga junta-se desta forma aos 15 outros locais classificados como Património Mundial em Portugal. 

Para a Confraria, a votação do Comité do Património Mundial, reunido desde 30 de Junho na 43ª sessão anual, é “o culminar de 20 anos de trabalho” executado através de um programa de qualificação e valorização do património, assim como um reconhecimento da “qualidade, autenticidade e a monumentalidade sem precedentes do monte sagrado”.

A Confraria do Bom Jesus do Monte afirma ainda que este é “o começar de um novo momento” para o Santuário, assumindo o compromisso de implementar uma gestão de longo prazo e uma visitação qualificada e partilhar com os outros bens as suas competências em matéria de conservação do património.

 

Um trabalho do coração

A ideia de avançar com uma candidatura do Bom Jesus já não é nova: em 1998 começava o sonho. Cerca de vinte anos depois, o trabalho desenvolvido é imenso e para todos os envolvidos esta classificação tem um significado especial. 

“Já em miúdo o Bom Jesus era um lugar onde, como seminarista, gostava de ir nos passeios que realizávamos. Gosto imenso do Bom Jesus! Hoje vou menos, mas no passado passava por lá com muita frequência. Gosto de subir todo o escadório, lentamente, olhando atentamente para cada uma das capelas. Depois, fazer também o percurso dos Sentidos e das Virtudes… e continuar até ao terreiro dos Apóstolos, onde efectivamente se encerra uma missão. O Santuário do Bom Jesus está no centro, mas ir ao alto para proclamar aquilo que celebramos é uma mensagem muito interessante que tentando colher sempre”, afirma o Arcebispo Primaz, D. Jorge Ortiga.

O também Presidente da Candidatura considera que esta classificação é um reconhecimento de “um valor incalculável” e que agora “claramente” ultrapassa das fronteiras do país, esperando portanto que a partir de hoje seja ainda mais procurado, mais visitado e muito mais compreendido.

Varico Pereira, Secretário da Confraria do Bom Jesus do Monte e um dos rostos mais visíveis da candidatura, explicou ao DACS que não é difícil o envolvimento emocional com o Santuário, espaço que até refere como uma “casa”.

“A maior parte das pessoas tem um sentimento muito forte e especial pelo Bom Jesus. Eu não sou excepção e tenho não só um grande sentimento de devoção, mas também de carinho pelo espaço. Quando estamos envolvidos com o Bom Jesus de alguma forma, depressa passa a ser a nossa casa, passamos mais tempo cá do que na nossa!”, afirma.

O Secretário diz que facilmente qualquer um dos trabalhadores do Santuário – até os voluntários – faz várias tarefas por gosto, mesmo que não façam parte das suas funções, como “apanhar lixo do chão” ou “dar indicações a turistas”. Actualmente há 138 pessoas que trabalham e vivem do Bom Jesus. E m época alta este número chega às 150 entre diferentes cargos e funções.

Varico relembra ainda o ano de 2017 e os incêndios que assolaram o distrito de Braga. O fogo consumiu uma grande área verde e ameaçou o bom Jesus. O responsável, depois de se certificar que estaria tudo bem em sua casa, não conseguiu resistir e regressou ao Bom Jesus. Saiu do Santuário já era de manhã, depois de, em conjunto com outros funcionários, ter passado horas a regar as zonas verdes de forma preventiva. Acredita que evitaram um desastre e diz mesmo que os funcionários mereciam um “voto de louvor”. Fizeram-no sem obrigação ou pedido, apenas por sentirem que a “casa” também lhes pertence. 

 

 

“Compete-nos cuidar do que é nosso. Mais ninguém se vai preocupar com isso”, concluiu.

Desde então a Confraria do bom Jesus já instalou pontos de água por toda a mata. Em caso de incêndio, os recursos para um maior controlo do fogo já estão disponíveis e facilmente podem ser acionados.

 

 

A devoção de inúmeras gerações

O Bom Jesus recebe anualmente cerca de um milhão e duzentos mil visitantes. Uns procuram-no pela beleza e cenário idílico, outros pela arquitectura e história e ainda há aqueles que o visitam por devoção apenas.

“O Bom Jesus é o ex-libris de Braga e por isso mesmo tem um significado muito particular. Diria que é quase impossível conhecer Braga sem conhecer o Bom Jesus, uma coisa está inteiramente ligada à outra. O Bom Jesus tem um grande significado, uma grande história com o seu património e também com a dimensão ambiental”, diz o Arcebispo Primaz, referindo que a recente classificação dignifica a cidade e honra a Arquidiocese de Braga como detentora do espaço.

O prelado sente-se feliz com os números relativos aos fiéis que se dirigem ao Santuário. Em 2017 casaram-se no Bom Jesus 148 pessoas e foram celebrados 95 baptizados. No ano de 2018 a Basílica já estava em obras, mas estima-se que a partir do final deste mês e até ao fim do ano de 2019 venham a ser celebrados pelo menos trinta matrimónios.

“O número de casamentos cá tem vindo a aumentar aqui, o que não deixa de ser curioso, dado que o número de casamentos em Portugal tem diminuído. Isto mostra que as pessoas preferem casar numa igreja mais simbólica… O Bom Jesus é um lugar icónico que está na memória  de milhares de pessoas que vieram cá em crianças. Isso traduz-se em memórias de gerações, já que essas pessoas depois voltam cá com as famílias que formam em adultas. Temos casos de tradição em que casou cá o avô, o pai e por aí fora! Também sabemos de quem tenha começado a namorar no Bom Jesus e, por isso, fazem questão de vir cá casar”, explica Varico Pereira.

O Secretário diz que além deste motivo ainda há outro muito forte, o cenário do Bom Jesus, que em termos de fotografia representa um espaço “espectacular”. O Arcebispo Primaz concorda com esta afirmação, mas diz que há muitos fiéis que não casam apenas pela “parte circunstancial exterior”, mas com uma motivação interior mais forte.

“Os fiéis reconhecem que estão num Santuário onde é proclamada a bondade de Jesus, o que é um apelo a que no casamento o bom aconteça todos os dias. E não falo de casamento no momento da celebração, mas em toda a vida, relativamente ao que os cônjuges partilham entre si e depois ao que partilham com os filhos. Creio que esta é uma mensagem que o Bom Jesus acaba por comunicar a estas pessoas”, explica D. Jorge Ortiga.

Manuel Palmeira casou há 25 anos no Bom Jesus e diz que não escolheria um local diferente.

“Claramente foi uma opção pessoal. Desde muito cedo comecei a trabalhar em fotografia e era frequente ir ao Bom Jesus em trabalho. Fui criando uma ligação muito afectiva com o Santuário. Mais tarde acabei por descobrir que o meu avô paterno foi um dos pintores do altar-mor da igreja. Portanto, motivos mais que suficientes para não pensar sequer noutra escolha”, diz.

Manuel já comemorou as bodas de prata com a esposa e participou na eucaristia do Santuário. O carinho por este monte sagrado nasceu há décadas e “em nada se relaciona com a recente projecção do Santuário”.

Sílvia Morais também casou no Bom Jesus há 37 anos. Diz que o sonho de lá casar começou quando era criança.

“Em pequenina ia ao Bom Jesus com os meus pais e, já grande, com amigos ou o meu namorado. Sempre que visitava essa linda igreja, dizia que o meu sonho era casar lá. E assim foi! Quando o meu marido me pediu para casar, o meu sonho tornou-se realidade no momento em que me perguntou: «vamos casar no Bom Jesus»?”, conta.

No dia 13 de Março de 1982 casou então no Bom Jesus. Hoje em dia Sílvia vive no estrangeiro, mas sempre que vem a Portugal faz questão de visitar o Santuário, o seu “local preferido”.

“Estou sempre lá, como acontece desde criança. Maravilhoso e sagrado lugar para mim sem  igual”, sublinha.

 

Um reconhecimento, um futuro de responsabilidade

Varico Pereira é peremptório: o futuro é de compromisso, responsabilidade e exigência. O trabalho será ainda maior, mas também haverá outras condições para o concretizar.

“Este é um grande reconhecimento do excepcional valor patrimonial e paisagístico do Bom Jesus e é, ao mesmo tempo, uma grande responsabilidade. Este selo — sim, porque nós já considerávamos o Bom Jesus Património Mundial, faltava-lhe apenas esta certificação – é o tal reconhecimento visível que faltava ao Bom Jesus e é um selo de responsabilidade para com o futuro. Aquelas que vão ser as responsabilidades de organização e gestão deste espaço vão ser muito mais exigentes do que as que existiram até agora. Temos de estar preparados para responder àquilo que são as exigências da UNESCO em relação a este património”, afirma.

O responsável diz ainda que a classificação do Bom Jesus como Património Mundial representa valor acrescentado, já que consiste em mais um “activo importante no que diz respeito à cultura e ao turismo” e que o aumento de sítios classificados é um reconhecimento de que o património cultural lusitano tem muito valor, o que se traduz num maior número de visitas.

“Mais pessoas vão querer visitar Portugal, mais pessoas vão querer visitar o Minho, mais pessoas vão querer visitar o Bom Jesus e isso traduz-se em ganhos do ponto de vista da economia local, através do dinheiro que o turismo pode gerar. Esse dinheiro vai ajudar a criar emprego, vai ajudar a melhorar aquilo que é a preservação do espaço no sentido de termos mais fundos para fazermos intervenções na conservação e requalificação do património natural e cultural”, explica.

O Arcebispo Primaz também está consciente do elevado número de normas e orientações que passarão a reger o Bom Jesus e que significam ainda maiores cuidados de preservação da estância.

“O Bom Jesus tem de ser cuidado permanentemente, deve ser muito estimado! Deve contar com a colaboração de todos numa vertente positiva, para que não haja danos patrimoniais e ambientais. É muito importante este cuidado! A população deveria envolver-se muito mais com o Bom Jesus que não é apenas da Confraria, não é apenas da Arquidiocese: deveria ser de todos os bracarenses”, afirma.

Para D. Jorge Ortiga isto significa que cada um deve continuar a “construir a dignidade do Bom Jesus” e que deve haver uma tomada de consciência de que o local “não é apenas aprazível”, constituindo-se como um espaço de “qualidade ambiental, monumental, arquitectónica, simbólica e histórica de valor incalculável”.

A Candidatura

Para a inscrição de um local na Lista do Património Mundial é necessário demonstrar o seu Valor Universal Excepcional, o que implica ir ao encontro dos critérios definidos pela Convenção do Património Mundial, assim como demonstrar a sua autenticidade e integridade.

O Comité do Património Mundial reúne uma vez por ano e é composto por representantes de 21 países eleitos pela Assembleia Geral. O Comité é responsável pela implementação da Convenção do Património Mundial, tendo a última palavra sobre a admissão de um bem na Lista do Património Mundial.

A candidatura do Santuário do Bom Jesus do Monte em Braga a Património Mundial é presidida por D. Jorge Ortiga, Arcebispo de Braga. A coordenação científica ficou a cargo das arquitectas paisagistas Teresa Andersen e Teresa Portela Marques.

Para a candidatura foi utilizado um dos dez critérios existentes na Convenção do Património Mundial para regular a integração de locais na Lista do Património Mundial e que diz respeito a um “importante intercâmbio de valores humanos”.

“A paisagem natural do Monte Espinho foi usada como cenário para uma Viae Crucis que resultou na construção de um santuário monumental que sofreu metamorfoses arquitectónicas e artísticas durante um período de seis séculos. No Santuário do Bom Jesus, os elementos naturais – granito, água, vegetação – e elementos culturais – escadarias, capelas, esculturas – são integrados de maneira a constituir um todo de caráter e espiritualidade excepcionais, numa manifestação artística e construtiva do génio humano”, pode ler-se no catálogo de exibição do Bom Jesus.